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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Jaime Rebelo (1900-1975)


Jaime Rebelo (1900-1975) foi um dos libertários portugueses que integrou movimentos anarquistas também em Espanha, nomeadamente orientados pela Federação Anarquista Ibérica e pela Confederação Nacional do Trabalho, união de sindicatos autónomos de ideologia anarco-sindicalista, tendo ainda participado em milícias que combateram o franquismo em Aragão e na Catalhunha. O seu nome baptiza uma avenida junto ao rio em Setúbal.


Submetido a tortura, Jaime Rebelo terá receado ceder e denunciar os companheiros. “Porém, sem saber muito bem a razão, tinha levado para a prisão, entre a planta do pé e a meia, uma lâmina de barbear escondida. Então, entre o receio de falar e de mutilar-se, escolheu a segunda opção. Com a lâmina cortou a língua. Desta forma já não lhe podiam arrancar nenhuma denúncia”. O gesto, violento mesmo para as práticas da polícia política, inspirou Jaime Cortesão à escrita do poema “Romance do Homem da Boca Fechada”, que circulou clandestinamente nos anos 30 e foi publicado no jornal Avante! em Outubro de 1937. (consultar aqui: http://www.ges.pcp.pt/bibliopac/imgs/AVT2056.pdf - online a 27 de Novembro de 2013.)

in FREITAS, Helena de Sousa, A expressão anarquista nas paredes de Setúbal: o cavalo de batalha de Tróia, Disponível em: http://www.cies.iscte.pt/destaques/documents/CIES-WP120_Freitas_001.pdf [consultado em: 25 de Novembro de 2013]


Romance do Homem da Boca Fechada
Jaime Cortesão

- Quem é esse homem sombrio
Duro rosto, claro olhar,
Que cerra os dentes e a boca
Como quem não quer falar?
- Esse é o Jaime Rebelo,
Pescador, homem do mar,
Se quisesse abrir a boca,
Tinha muito que contar.

Ora ouvireis, camaradas,
Uma história de pasmar.

Passava já de ano e dia
E outro vinha de passar,
E o Rebelo não cansava
De dar guerra ao Salazar.
De dia tinha o mar alto, 
De noite, luta bravia, 
Pois só ama a Liberdade,
Quem dá guerra à tirania.
Passava já de ano e dia...
Mas um dia, por traição,
Caiu nas mãos dos esbirros
E foi levado à prisão.

Algemas de aço nos pulsos, 
Vá de insultos ao entrar,
Palavra puxa palavra, 
Começaram de falar
- Quanto sabes, seja a bem,
Seja a mal, hás de contá-lo,
- Não sou traidor, nem perjuro;
Sou homem de fé: não falo!
- Fala: ou terás o degredo,
Ou morte a fio de espada.
- Mais vale morrer com honra,
Do que vida deshonrada!

- A ver se falas ou não,
Quando posto na tortura.
- Que importam duros tormentos,
Quando a vontade é mais dura?!

Geme o peso atado ao potro
Já tinha o corpo a sangrar,
Já tinha os membros torcidos
E os tormentos a apertar,
Então o Jaime Rebelo,
Louco de dor, a arquejar, 
Juntou as últimas forças
Para não ter que falar.
- Antes que fale emudeça! - 
Pôs-se a gritar com voz rouca,
E, cerce, duma dentada,
Cortou a língua na boca.

A turba vil dos esbirros
Ficou na frente, assombrada,
Já da boca não saia
Mais que espuma ensanguentada!

Salazar, cuidas que o Povo
Te suporta, quando cala?
Ninguém te condena mais
Que aquela boca sem fala!

Fantasma da sua dor,
Ainda hoje custa a vê-lo;
A angústia daquelas horas
Não deixa o Jaime Rebelo.
Pescador que se fez homem
Ao vento livre do Mar,
Traz sempre aquela visão
Na sombra dura do olhar,
Sempre de boca apertada,
Como quem não quer falar.

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