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quarta-feira, 13 de abril de 2011

Os Cabedos (III): Miguel Cabedo de Vasconcellos

Aparece, depois, Miguel Cabedo de Vasconcellos, igualmente de Setúbal, solar da sua ilustre família. Nascido em 1525, foram seus progenitores Jorge de Cabedo, embaixador á corte de Paris, e D. Teresa Pinheiro, irmã de D. Gonçalo Pinheiro, bispo de Viseu. Instruído nas letras humanas, para que mostrou pronta compreensão, passou a Baiona, em 1538, quando contava treze de idade, por ordem do tio materno Gonçalo Pinheiro, que fora mandado, por D. João III, pacificar as controvérsias entre a nação francesa e a portuguesa. Nesta jornada, fez-lhe companhia o seu irmão João Pinheiro, que veio a receber o hábito de S. Domingos, subiu a catedrático de véspera, na Universidade de Coimbra, e assistiu, como teólogo do rei Sebastião, ao concílio tridentino. Miguel de Cabedo estudou, em Bordéus, durante dois anos, as sciências amenas. Transferiu-se, após, á Universidade de Tolosa, onde se aplicou á jurisprudência cesárea e canónica. Ditavam as lições João Corásio, Fernando Berengário, Ferrério, Monsumbrano, famosos professores daquele tempo.
Restituído a Portugal em 1542, frequentou a Universidade de Coimbra, e ai coube-lhe ser discípulo de, entre outros, Martim de Apilcueta Navarro, oráculo dos cánones pontifícios. Voltando segunda vez à França, esteve nas Universidades de Orléans e Paris. Achando-se nesta, com 22 anos incompletos, publicou Pluto, primeira comédia de Aristófanes, que traduziu do grego em latim. Dedicou-a ao tio materno, que assistia na corte de França como embaixador de Portugal. Transferido á pátria, «para quenão estivessem ociosas as suas letras em benefício da república», elegeram-o desembargador da Casa da Suplicação, cargo de que tomou posse a 11-março-1565, e desembargador dos agravos, a 6-julho-1575. D. Sebastião enviou-o na alçada que mandou, em 1571, visitar as províncias de Entre Doiro-e-Minho e da Beira, a que presidiu D. Pedro da Cunha, capitão-mór da gente da ordenança de Lisboa, e pai do arcebispo D. Rodrigo da Cunha. Instituindo o mesmo príncipe um triunvirato, para o governo económico de Lisboa, foi Miguel de Cabedo, o primeiro dos eleitos. Exerceu com tanto zelo esse lugar que todo o povo lamentou a sua morte, no dizer do abade Barbosa Machado, autor da Bibliotecha Lusitana, «como pai comum e acérrimo defensor da sua liberdade».
Desposará D. Leonor Pinheiro de Vasconcelos, sua prima coirmã, filha de D. Gonçalo Mendes de Vasconcelos, e da sua mulher D. Brites Pereira, de quem teve – Jorge de Cabedo, moço fidalgo, comendador de Santa Maria de Frechas, na ordem de Cristo, etc.; Gonçalo Mendes de Vasconcelos, cónego doutoral de Evora, desembargador dos agravos, deputado do santo ofício, agente de Portugal na cúria romana; António de Cabedo e Manoel de Cabedo, cavaleiros de Malta; João Mendes de Vasconcelos, que se casou com D. Joana Freire de Andrade, senhor e comendador da vila de Sousa, junto de Aveiro; D. Teresa de Vasconcelos, que tomou por marido o seu primo coirmão João Gomes de Lemos, senhor de Trofa.
Miguel Cabedo de Vasconcelos, no testamento, ordenou a tutela dos filhos menores, a sucessão dos bens, o depósito das suas cinzas. Faleceu na capital, em Abril de 1577, quando contava 52 anos. Removeram o seu cadáver, que jazia na igreja paroquial de Santa Cruz do Castelo de Lisboa, para a capela-mor da igreja matriz de Santa Maria da Graça de Setúbal, de que foi padroeira a sua casa, e nela se gravou este epitáfio: - «Esta sepultura é de Miguel Cabedo e de D. Leonor Pinheiro de Vasconcelos, sua mulher, da qual lhe fez mercê el-rei D. Sebastião, para eles, e todos os seus descendentes». A musa do vate Inácio de Morais compôs-lhe outro em latim. Exaltaram-lhe as qualidades Petrus Sanches e Jacobus Mendes de Vasconcelos, «alunos do Parnaso».
«A natureza ornou-o de estatura proporcional, cabelos loiros, rosto alegre, mas grave, prudência grande, memória compreensiva e retentiva, engenho perspicaz, juízo subtil, inclinação natural para investigar matérias dificultosas». Poeta latino de valor, pode repor, na sua antiga pureza, por um original que obteve de biblioteca parisiense de S. Vítor, as obras de Sidónio Apolinário, pois andavam, por inércia dos copistas, bastante adulteradas.
O licenciado Jorge Cardoso, no Agiot. Lusit., vol 2º, pág. 24, col. 2, chama-lhe – célebre poeta e famoso jurisconsulto. António Carvalho da Costa, na Corog. Portug., vol. 3º, pag. 295, classifica-o de – insigne jurista.
Legou-nos: Plutus, Aristofanis, comoedia in latinum conversa – sermonem D. Gundissalvo Pinario Visensi, Episcopo Joanis III. Lusitanice Regio in Galia – Legato avunculo suo. Parisiis apud Michaelim Vascosanum – 1547; In nuptias serenissimorum principium Joannis, o Joanoe Regis Sebastiani, primi parentum. Sem lugar de edição, nem ano. Em verso heróico: - In partum Joannoe serenissime Lusitanioe pincipis sororis potentissime, o inviotissimi catholici Philippi Hispanice Regis. Conimbrice, apud Joannem Barreira. Tip. Reg. – 1554. Poema heróico – Vota xvii, pro felicissimo Natali potentissimi régio Lusitanoe Sebastiani. Ulyssipone, apud Franciscum Correa – 1574. Poema heróico.
Todas estas obras poéticas se reimprimiram – em Roma, apud Bernardum Bassum – 1597 – 8º, no livro De Antiquitatibus Lusitaniae, do eborense André de Resende, desde a pag. 407 á 510. Encontram-se ai outras produções em verso de Miguel Cabedo. Mencionaremos três cartas latinas, dirigidas – a 1ª a António Pinheiro, bispo de Miranda, a 2ª, a Jerónimo Osório, bispo de Silves; a 3ª a Pio V. No Corpus illustrium poetarum lusitanorum qui latine scripsertunt, tomo I, Lisbonae, Typis Regalibus Sulvianis – 1745 – 4º, saíram de novo as poesias de Miguel Cabedo, salvo a versão das comédia Pluto, da pag. 393 á 439.
 
PAXECO, Fran, Setúbal e as suas Celebridades, 1930, p. 7-10

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