A data de nascimento de Justa Rodrigues
é desconhecida mas deverá situar-se, possivelmente, na década de 20 do século XV.
Não sendo de linhagem nobre, os primeiros anos da sua vida e a sua ascendência
são-nos desconhecidos, os poucos dados de que dispomos indicam-nos que seria
egitaniense9 e que tinha três irmãos – Isabel, Beatriz e Nuno, embora se desconheça
a sua filiação. Da sua relação com Bispo da Guarda D. João Manuel nascem os
dois filhos, João Manuel e Nuno Manuel, tendo o primeiro nascido em 1640 e o
segundo, provavelmente, pouco depois dessa data (SILVA, 1987: 13; GOMES,2009:
61).
O irmão Nuno era criado de D.
Fernando, Duque de Viseu (1433-1470) e terá sido a sua influência junto deste
que contribuiu para que Justa fosse escolhida para se tornar a ama-de-leite do
seu filho mais novo D. Manuel, futuro rei de Portugal, quando este nasceu em
1469 (SILVA, 1987: 13; GOMES,2009:54). A escolha também teve em conta a sua
formosura bem como a reputação de mulher piedosa, culta e virtuosa, qualidades
procuradas para um emprego desta natureza pois acreditava-se que os traços de
personalidade da ama passavam para a criança através do leite (BUESCU,2011:
24). Por não ter um título nobiliárquico, como já foi referido, será o de ama
de D. Manuel aquele que usará até ao fim da vida, como forma de se aproximar da
alta nobreza e se fazer valer da relação próxima que tinha ao futuro monarca. A
ligação estreita entre a ama e a criança é compreensível à luz das práticas
medievais e modernas de puericultura em que o bebé acaba por ter mais
convivência com a ama e os seus filhos do que com os seus progenitores e irmãos
(Idem: 16-26) o que explica o laço afectivo criado entre Justa Rodrigues e os
seus filhos e D. Manuel, com efeito, depois de ascender ao trono, este legitima
os seus irmãos de leite.
A empresa de erguer um
convento está, normalmente, associada a patronos nobres ou de vastas posses
pelo que, para uma mulher que não reunia essas duas condições, levar a cabo um
projecto dessa natureza era muito ousado e só foi alcançado pela tenacidade e
perseverança de Justa Rodrigues. Esta, não só levou a bom porto a construção do
convento, como também conseguiu, por bula papal em 1505, autorização para
instituir o seu panteão familiar no convento (SILVA; 1987: 14), para si, para
os seus dois filhos – na igreja – e a sua mãe, que manda transladar do mosteiro
de Abrantes e coloca-a numa campa rasa na sala do capítulo que mais tarde a
recebe e onde se lê apenas AQI IAJ A F/VNDADORA/DESTA CAZA. Outro facto digno
de nota é o de ter conseguido títulos para os seus descendentes (Ibidem). A
ligação da família de Justa Rodrigues ao convento não se esgota na geração
seguinte à sua, na verdade ingressaram nele várias mulheres da sua linhagem nos
séculos posteriores como sobrinhas, bisnetas e outras (GOMES, 2009: 62).
As razões por trás da vontade
da fundadora são, primeiramente, de índole pessoal: a salvação da sua alma, não
podemos esquecer que Justa Rodrigues teve dois filhos de um prelado, o que
constituía um grave pecado, também na linha dos motivos pessoais a construção
de um panteão familiar para perpetuar o nome dos Manueis (SILVA; 1987: 13-14).
Outras razões, cuja Oimportância poderá ser secundária mas sem dúvida que
estiveram presentes na mente da fundadora, foram uma lógica linhagistica no
seio das esferas cortesãs – o que beneficiaria as gerações futuras – e mesmo
uma promoção social de Justa, o que acabaria por se reflectir no futuro da sua
descendência (GOMES, 2009: 54).
O sítio escolhido para a
implantação do convento, junto ao bairro do Troino, deve-se à doação de um
terreno, feita em testamento pelo infante D. Fernando a Justa Rodrigues,
terreno esse situado fora das muralhas mas próxima de uma porta de acesso ao
interior do perímetro urbano (SILVA,1990: 55), numa zona chamada de Fonte Santa
(BRAGA, 1998: 385). No entanto este pedaço de terra era insuficiente para a
construção pelo que foi necessário comprar mais terreno anexo que era
propriedade da Confraria da Anunciada10 e só foi possível adquiri-lo através da
acção da rainha D. Leonor (Ibidem; SILVA,1987: 15). Outras doações foram feitas
por particulares em terras e dinheiro que permitiram levar a bom porto a
empresa mas, sem sombra de dúvida, que o grosso das despesas foi suportado pela
coroa através das doações feitas por D. João II (r.1481-1495), e, depois dele,
D. Manuel I. O mecenato deste último monarca foi significativo pois começou
quando era ainda Duque de Beja e continuou depois da sua ascensão ao trono
(SILVA, 1987: 16-18). Uma doação de peso foi a realizada pelo mestre da Ordem de
Santiago D. Jorge, bastardo do rei D. João II doando o terreiro em frente ao
convento e aí instalando um pelourinho em 1525 (SILVA,1990: 57; PEREIRA,1989:
24) de modo a que esse espaço ficasse vazio de habitações de modo a que
nobilitasse o próprio convento, assim se encontrando até aos dias de hoje.
Quanto à alegada insalubridade
do terreno, os problemas desta natureza só aparecem na documentação no século
XVIII e XIX, sendo que em 1867 se dá ordem para que nenhuma religiosa ou outra
qualquer pessoa não fosse enterrada no espaço monástico mas sim num cemitério
comum (CARVALHO, 1969: 198). Nos meados do
século XV o terreno foi
arroteado e enxuto, passando a ser cultivado. Aí foi instalado o Hospital da
Misericórdia (Idem: 70), factores que não se coadunam com insalubridade. Para
além disso diversos nobres que detinham terras perto do convento viram negados os
seus pedidos para construir casas e quintas. (GOMES, 2009: 58). A própria Justa
Rodrigues não iria construir um convento onde se iria recolher, se o terreno
fosse insalubre (Idem, 71), tal como não conseguiria as doações necessárias
para a sua construção. Tanto as crónicas como as listagens dos óbitos
registados no convento dão-nos uma perspectiva de boas condições de saúde e de
vida relativamente longa, e que, a título de exemplo, entre 1740 e 1878 apenas
morreram 78 religiosas e que, da peste de 1833 apenas 2 freiras perderam a vida
desse mal (CARVALHO, 1969. 120-123). O abastecimento de água ao convento era
feito por meio de um ramal do aqueduto do Bonfim, pré-existente ao convento,
que D. Manuel mandou construir para o abastecimento da casa monástica, saindo
numa fonte do claustro (BRAGA, 1998: 415) e sabemos que existia um «cano real
de águas grossas», um sistema de esgotos que partiam do convento para o mar e
sofre reparações por volta da década de 30 do século XVII (CARVALHO, 1969:
111), pelo que por essa data as questões da salubridade não se deveriam pôr.
É impossível datar quando
surgiu no espírito de Justa Rodrigues a ambição de construir um convento.
Possivelmente seria uma aspiração pessoal que encontrou a primeira
materialidade em 1470 com o terreno doado em testamento por D. Fernando. O facto
é que a 15 de Junho de 1489 é emitida uma bula do papa Inocêncio VIII (r.1484-1492)
permitindo a construção da casa monástica em Setúbal (SILVA, 1987: 57). A cerimónia
do lançamento da primeira pedra deu-se em Agosto do ano seguinte (SILVA, 1987:
18) depois da compra do terreno à Confraria da Anunciada. Até ao ano seguinte apenas
foi construído a portaria, adro e dormitórios. Oficialmente, Justa queria que o
rei estivesse presente no início das obras da igreja (Ibidem) mas provavelmente
a razão seria a falta de verbas para continuar a campanha de obras. Em 1491,
aproveitando a presença do rei em Setúbal, Justa convida-o a assistir à
liturgia no local onde se iria erguer a igreja do convento, e da qual já
estavam abertos os alicerces (Ibidem). Terá sido neste enquadramento que o rei
aceitou patrocinar o projecto, impondo o lançamento de novos alicerces para que
a igreja e outros espaços fossem maiores e mais monumentais, de modo a poder
acomodar trinta e três freiras em vez das treze inicialmente previstas. Neste
seguimento dá-se uma nova cerimónia de lançamento da primeira pedra a 22 de
Agosto, desta vez com a presença da família real e presidida pelo Bispo de
Tânger, D. Diogo Hortiz de Calçadilha (Ibidem).
Aquando da morte de D. João
II, o patrocínio régio manteve-se na pessoa de D. Manuel I que, como já foi
referido, tinha uma forte relação pessoal com a fundadora.
Significativamente, doou os
dois sinos da igreja que ostentam o seu nome, data e títulos régios (BORBA,
1976: 479). Efectivamente patrocínio daquele rei teve início quando ainda era
Duque de Beja ao recolher fundos na ilha da Madeira (SILVA, 1990: 57). O mecenato
real fez alterar novamente os planos da construção, ampliando-os. Mandou que a
igreja tivesse três naves em vez de apenas uma e que a cobertura fosse em pedra
e não em madeira, chamando o seu arquitecto, mestre Boitaca (Ibidem). Sem
dúvida que o recém-coroado rei queria deixar um marco no início do seu reinado,
ampliando uma obra iniciada pelo seu antecessor. Não podemos esquecer o facto
de que este rei, não sendo descendente directo do anterior, mas
sobrinho/cunhado, tinha a necessidade de afirmação do seu poder de modo a
silenciar todas as vozes discordantes da sua legitimidade, incluindo aqueles
que preferiam no trono o bastardo D. Jorge que, na condição de mestre de
Santiago, era o senhor de Setúbal.
Os trabalhos continuaram a bom
ritmo, de forma a que em 1496 estariam já reunidas as condições para a entrada
na clausura das primeiras sete religiosa, jovens vindas de um convento em
Gândia, Espanha (SILVA, 1987: 19 e GOMES. 2009: 55). Sabemos que no ano de 1500 as
obras ainda não estavam completamente concluídas pois ainda se trabalhava nas
“oficinas” e no claustro (Ibidem) e que o abobadamento se deve ter dado em 1508
(PEREIRA, 1995: 48), sendo que essa data marca o fim da primeira campanha de
obras de mestre Boitaca.
in BRITO, Mariana Almeida, Convento de Jesus (Setúbal) Arqueologia e História: Faiança decorada.
Disponível em: http://run.unl.pt/handle/10362/9280 [Consultado em 21 de Dezembro de 2013]
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