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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Setúbal - Roteiros Republicanos



Título: Setúbal - Roteiros Republicanos
Autor: AFONSO, Albérico
Editora: QUIDNOVI
Ano: 2010

Introdução
Albérico Afonso


O Roteiro Republicano de Setúbal é uma iniciativa editorial da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República.
A solicitação que nos foi feita para coordenar esta investigação constituiu para nós um desafio que aceitámos com agrado, porquanto configurou uma oportunidade de, de forma sistematizada, proceder ao estudo da Setúbal republicana. O lapso temporal que será objecto desta publicação situar-se-á entre as últimas décadas do século XIX, em que já se pressentem os primeiros rumores do ideal republicano na cidade, e a imposição da Ditadura Militar.
Quando se trabalha a História local é-se muitas vezes levado a exagerar a importância da sua contribuição para a História geral do país. No caso vertente, contudo, não estaremos perante qualquer sobrevalorização ao afirmar-se que a República tem, por várias vezes, o seu destino marcado em território setubalense. De facto, foi aqui que o X Congresso do Partido Republicano decidiu em 1909 a via insurreccional para a tomada do poder. Foi aqui que a República bateu à porta no dia 4 de Outubro, antes mesmo de ser declarada vencedora em Lisboa. Finalmente, foi aqui que se consumou a ruptura entre o movimento operário e o regime que agora se comemora, com o assassinato, pela polícia, de uma operária conserveira e de um moço dessa mesma indústria. Esse divórcio revelar-se-ia, aliás, não só profundamente litigioso como também absolutamente letal para a defesa da República, quando sopraram ventos adversos.
Esta é a primeira investigação de conjunto que tenta sistematizar aspectos fundamentais da História social e política da cidade de Setúbal durante este período. Através dela entenderemos a intensidade com que o novo regime foi vivenciado pela cidade que o aguardou com impaciência e o festejou como se tivesse chegado a sua hora. Esta vivência foi muito para além dos 16 anos deste ciclo político iniciado em 5 de Outubro de 1910 e interrompido em 28 de Maio de 1926.
De facto, desde finais do século XIX que Setúbal, insatisfeito com 3 seu jovem proletariado reivindicativo e lutador, com o seu funcionalismo pequeno-burguês, com os seus pequenos comerciantes e industriais, se mobiliza, intervém e contribui para a construção de um processo de republicanização antes da República.
Percorrer o tempo que antecedeu a tomada do poder é sentir esse pulsar. É ouvir as bandas que ecoaram nas ruas aquando do Ultimato, ou dos comícios do PRP em que participaram milhares de pessoas; é ler as descrições dos muitos jornais que chegavam às barcas com notícias das greves que um proletariado sobre-explorado levava a cabo num braço-de-ferro duríssimo com o patronato, gerando um clima de agitação social que propicia a mudança; e perceber a teia de solidariedades entre anarco-sindicalistas e republicanos com saudações fraternais mútuas.
Só a conjugação de todos esses elementos justifica os acontecimentos do dia 4 de Outubro e da noite que se lhe seguiu, quando se atearam incêndios na esquadra da polícia e nos conventos.
A análise do período republicano, à medida que os anos se foram cumprindo, evidenciará, por outro lado, um contraciclo de esperança. A República falhará o seu projecto de reforma social que antes havia levantado como bandeira. Mais do que isso, reprimira os seus antigos aliados. 
E se isso é evidente em todo o país, será aqui especialmente ser- tido, dado estarmos perante uma mancha urbana em que as fábricas ocupam um especialíssimo volume. Por isso mesmo os 16 anos republicanos testemunharão várias greves gerais e movimentos insurreccionais.
Dada a sua riqueza, este é um período que reclama um aprofundamento da investigação. Há que resgatar do esquecimento as traves-mestras do tempo republicano setubalense.
Mas não só. A investigação sobre a etapa de consolidação da Ditadura Militar exige o recurso a novas fontes, no sentido de esclarecer a participação das elites sindicais e republicanas no novo poder emergente; descodificar o papel desempenhado por alguns sectores republicanos locais nas redes reviralhistas de oposição ao novo regime será, de igual modo, necessário para a completa compreensão da mudança operada com o golpe militar.
Finalmente resta-nos esperar que este estudo contribua pari recuperar um pedaço desta memória urbana, cívica, social e política, que o Estado Novo, o tempo e a inércia tentaram apagar. A cidade merece conhecer o seu passado. Foi aqui que a República se projectou no futuro em 1909, no teatro D. Amélia na Av. Luísa Todi.
E foi também aqui que a República inverteu a sua marcha, na mesma avenida, quando as primeiras balas foram disparadas contra o movimento operário. Nessa data, o apoio popular ao regime implantado com a fibra da esperança começou o seu fim. Deste modo, o nascimento, e de certa maneira, a morte do regime republicano tiveram lugar precisamente na cidade de Setúbal.
Quem não cuida do passado não prepara o futuro. O esquecimen¬to é a pior de todas as condenações. Se esta publicação devolver à cidade parte da memória dos dias que nela se cumpriram, realizou o seu intento.

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