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sexta-feira, 20 de maio de 2011

A origem da fundação do Mosteiro de Jesus

A origem da fundação do Mosteiro de Jesus, de Setúbal, é quase a mesma da maior parte de todos esses monumentos claustrais, que se ergueram durante tantos séculos, e existiram entre nós espalhados aqui e além, por planícies e alturas, no seio das cidades, vilas e lugares, por entre os vales e no meio das campinas, ou nas faldas, nas encostas, e no cimo das serras.

Em muitos desses monumentos resplandeceu a grandeza e a sumptuosidade mundana, mas, em homenagem à verdade, tem de dizer-se que, na maioria deles, só a pobreza e humildade reinaram, e alguns foram mesmo, positivamente, verdadeiros espelhos de virtude.



Mas, as instituições eram humanas, os tempos e as ideias modificaram-se, cresceram os abusos, adulterando a boa doutrina e destruindo a disciplina primitiva Afinal, desvanecidas as profundas crenças, e sucendendo-lhe o relaxamento, quando as Ordens Religiosas necessitavam antes de uma pronta e energética reforma, sobreveio o tufão tremendo e irreflectido da revolução, que varreu da face da terra mosteiros e conventos, monges e monjas, frades e freiras, envolvendo na sua passagem devastadora bons e maus religiosos, culpados e inocentes.

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O ínicio da construção deste Mosteiro foi identifco ao de todos os outros. Os reis fizeram largas concessões, despendendo avultultadas somas, saídas dos cofres da Nação; e os grandes senhores e poderosos concorreram, também, com grossas quantias, tiradas de outras muito maiores que recebiam dos pesados e vexatórios impostos que, geralmente, lhes pagavam os pequenos e pobres contribuintes. É certo que gente havia que espontaneamente fazia doações e dava esmolas influenciada pelas arreigadas convicções religiosas, e por vezes obcecada pelo fanatismo, mas afinal quase tudo saía, directa ou indirectamente, da bolsa do povo.

Infelizmente, os sacríficios do povo não paravam por aí. O povo, operário ou artífice, era duramente constrangido a prestar o seu trabalho manual por meio da ADUA, ou outro serviço pessoal. Não vemos nós, por mandado das autoridades e de outros funcionários públicos, de juízes em sua alçada, e até a própria abadessa do mosteiro, apenar pedreiros, cabouqueiros, carpinteiros, carreteiros com as respectivas bestas, barqueiros com os respectivos barcos e tudo o mais que se julgasse necessário à obra que se queria empreender? Não vemos nós o trabalhador, operário ou artista, forçado a trabalhar por um jornal que a Câmara Municipal ou outra autoridade fixava arbitrariamente, e que era ainda menor quando se tratava de estabelecimentos religiosos e de outros de utilidade pública?

E, note-se, que nessas obras eram empregados ranchos de escravos, que seus donos contratavam por baixos preços, pouco lhes importando a miséria desses infelizes, contanto que auferissem o lucro do seu trabalho, que era apenas compensado com o pedaço de pão negro que lhes atiravam, amassado com o suor, as lágrimas, e até o próprio sangue do desgraçado, que gemia sob os ferros da escravidão!

Com a concorrência destas coisas animadas – os escravos – os salários desciam ainda mais e, assim, os trabalhadores, embora se furtassem ao trabalho forçado e não justamente remunerado, tinham afinal de submeter-se à arbitrariedade, para não irem jazer no antro de alguma insalubre e mortífera prisão!

Os senhores ou directores das obras públicas, para que estas se fizessem, forneciam a enxada, o camartelo, a pá, a colher e a trolha, a alavanca, e os outros instrumentos. Mas o povo dizia: "E nós damos os nossos próprios corpos”. Mas dizia por que arbitrariamente o constrangiam a que o dissesse.  


in CARVALHO, Almeida, Acontecimentos, Lendas e Tradições de Setúbal, Junta Distrital, 1969

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