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segunda-feira, 14 de abril de 2014

Manuel Maria Barbosa du Bocage

A completar o friso de figuras de primeiro plano, precisamente ao lado do chanceler Jorge de Cabedo, vê-se Bocage, desde sempre, sem dúvida, o maior de nós todos. Quarto filho do casamento do Dr. José Luís Soares Barbosa, advogado em Setúbal com D. Mariana Joaquina Xavier Lestof du Bocage, filha do Almirante Gil Le Doux du Bocage, o futuro Elmando Sadino, da Arcádia, nasceu na nossa cidade, na casa com os números 17 e 18 da antiga Rua de S. Domingos (actual Rua de Bartissol), da freguesia de S. Sebastião, no dia 15 de Setembro de 1765. Bocage nasceu poeta, como ele próprio o confessa quando diz:


«Versos balbuciei co’a voz da infância!»
«Vate nasci…»

É dos oito anos a sua primeira composição poética. Tendo ido a Lisboa ver a procissão das cinzas, voltou a Setúbal com esta quadra:

Fui ver a procissão de S. Francisco,
Que o vulgo chama da cidade,
E suposto o apertão foi raridade
Que indo eu em carne, não visse em cisco!

Depois de estudar as primeiras letras com a mãe e haver aprendido francês com o pai, Bocage assentou praça em 22 de Setembro de 1781, em Infantaria 7, de Setúbal matriculando-se a seguir na recém-fundada Academia Real de Marinha.
Conseguindo a patente de Guarda-marinha, em 1786, embarcou para a Índia em Abril do mesmo ano. Passou pelo Brasil onde, no Rio de Janeiro, foi alvo de grandes homenagens, por parte da primeira sociedade carioca. Finalmente aportou a Goa em 29 de Outubro de 1786. Na Índia, Bocage teve talvez o período mais aborrecido e quezilento da sua vida, em permanente briga com toda a gente, em vibrantes e mordentes sátiras que eram fortes e contundentes libelos contra aqueles que pretendia atingir e atingia em cheio.
É durante a sua estadia na Índia que num arroubo de egotismo, há que verificá-lo, se compara a Camões quando diz:

«Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo.
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co’ sacrilego Gigante».

De Goa, mercê das suas irreverências, foi transferido para Damão, onde o respectivo Governador, António Leite de Sousa, o promoveu a tenente. Mas a vida militar não lhe quadrava ao feitio e Bocage desertou, tomando o caminho de Macau. Daqui regressou a Lisboa, engolfando-se na buliçosa e anárquica vida literária, e a um tempo boémia, da época. Mal Curvo Semedo fundou a Nova Arcádia ou Academia das Belas Letras, foi convidado a ingressar nela, ao lado de José Agostinho de Macedo, Tomás dos Santos e Silva, o abade de Almoster, Francisco Bringue e outros. A certa altura, porém, também investe com a Nova Arcádia.
Com Filinto Elísio, que lhe há-de celebrar o génio, e José Agostinho de Macedo, Bocage vai renovar a poesia do Século XVIII. Vítima das ideias revolucionárias, que importadas de França empestavam o País naquela época, Elmano Sadino incorreu algumas vezes no desagrado das autoridades e principalmente nas iras do grande e enérgico Intendente Diogo Inácio de Pina Manique, que nem sempre foi justo com ele. Preso e relegado à Inquisição, Bocage continuou no entanto a disfrutar a aura e o prestígio do maior poeta do seu século, esse século que já adivinhava nele um dos mais gloriosos vates da língua portuguesa.
Doente, já amarrado ao leito, o inspirado bardo produz então alguns dos melhores sonetos da sua vasta e admirável obra. Antes de morrer reconciliou-se com os seus mais encarniçados inimigos, como José Agostinho e Curvo Semedo. Por fim, às 10 horas e um quarto da manhã do dia 21 de Dezembro, confortado com todos os sacramentos da Igreja, Bocage exalou o úlitimo suspiro, sendo sepultado no jazigo da freguesia das Mercês a cujo território pertencia a pequena e pobre casa da Travessa André Valente na qual habitara o terceiro andar.
Sumira-se para sempre nas sombras da Eternidade, entrando na Glória que a sorte reserva aos génios aquele que no dizer de Rebelo da Silva, «nascido vinte anos mais tarde daria um Byron à Península – um Byron igualmente arrojado, igualmente altivo, na pintura das Paixões e da agonia moral, mas temperado pelos toques dessa esquisita e nova tristeza contemplativa que se gera na sensibilidade da alma e tão dolorosa chaga abre quase sempre no coração dos poetas»; esse Bocage de quem o grande Olavo Bilac disse: «Em Portugal a arte de fazer versos chegou ao apogeu com Bocage; depois dele decaiu. Da sua geração e das que o precederam foi ele o cinzelador máximo.»

in PAXECO, Óscar, Roteiro do Tríptico de Luciano

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