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sábado, 31 de maio de 2014

Novo fenómeno urbano - Aglomeração de Setúbal



Título: Novo fenómeno urbano - Aglomeração de Setúbal
Subtítulo: Ensaio de Sociologia Urbana
Autor: Carlos Vieira de Faria
Editora: Assírio e Alvim
Ano: 1980


Apresentação

A aglomeração de Setúbal, apesar da singularidade do seu processo urbanístico, é exemplar na medida em que o seu estudo meticuloso, para além dos aspectos particulares da região, permite compreender algumas das características da rápida expansão das zonas urbanas do litoral português desde a Revolução liberal de 1820 e a exacerbação da luta entre a burguesia predominantemente comerciante e os proprietários da terra.
As preocupações teóricas e disciplinares deste estudo não impediram uma tomada de posição crítica muito clara, tanto sobre a política urbana seguida pelo regime salazarista, como sobre as contradições das medidas que, neste domínio, os sucessivos governos democráticos têm vindo a adoptar apesar das experiências piloto positivas que localmente se têm vindo a implementar. Um dos méritos deste trabalho é precisamente mostrar como as incoerências, a exploração, a ineficácia burocrática se regem não só pela lógica implacável da exploração da classe dominante, mas também pelo anacronismo das mentalidades mais orientadas para o consumo fácil e para a passiva exploração do espaço do que para empreendimentos arrojas e decisões eficazes. Neste, como aliás na maior parte dos domínios da vida colectiva portuguesa, tudo leva a crer que se tem preferido favorecer alguns grupos prejudicados pelo monopolismo das estruturas despóticas do regime deposto em 25 de Abril de 1974, em vez de procurar encontrar estruturas alternativas. Parece hoje evidente, às forças tanto sociais como políticas a insuficiência das medidas que em política urbana têm sido tomadas, a nível nacional desde a Revolução dos Cravos. As contradições mais gritantes fazem-se hoje sentir de maneira dramática nomeadamente na exacerbação da especulação sobre os terrenos de construção, na falta endémica de unidades habitacionais em número e em condições acessíveis às camadas menos favorecidas da população, na proliferação incontrolável das zonas degradadas, na construção clandestina e consequente falta de infra-estruturas, na concentração e fealdade do parque imobiliário, no desajustamento do mercado de casas para aluguer. Estudos como o que agora é apresentado por Carlos de Faria poderão contribuir para a justa compreensão deste fenómenos que levam os responsáveis a reflectir sobre os impasses a que decisões demagógicas, que apenas tomem em consideração interesses parcelares e unilaterais, conduzem inevitavelmente.
O autor insiste na importância do diálogo com as populações interessadas acerca das decisões urbanísticas a tomar, levando-as a participar na planificação do aproveitamento do espaço habitado de maneira a torna-lo um sistema integrado de relações sociais vivas. 
Este livro tem ainda o mérito de evidenciar a natureza transdisciplinar das questões urbanas e de alertar assim os responsáveis e os estudiosos para a urgência de uma Sociologia Urbana não linear e tecnocrática mas multidimensional. É, neste sentido, que este estudo fica aquém das intenções que enuncia e que, esperamos, poderão vir a ser satisfeitas em trabalhos posteriores que o autor promete. 
Em particular, o domínio das representações sociais que se integram sobretudo na problemática da simbólica urbana exigiria uma metodologia diferente da que serviu de fundamento à realização do presente estudo. É este um dos capítulos que mais mereceria, a nosso ver, ser aplicado. As relações entre a evolução de mentalidades e o habitar, que se traduzem nomeadamente na emergência de oposições paradigmáticas específicas à leitura do espaço urbano (autonomia/solidariedade, público/privado, actividades/passividade), assim como na sectorização dos grandes complexo urbanos predominantemente funcionais (espaço residencial, industrial, de serviços, escolar, desportivo, de lazeres, comercial) teriam merecido talvez um trabalho mais cuidado e original.
Estes limites não tiram, no entanto, a esta obra os méritos de um trabalho original recheado de pormenorizada documentação e enriquecido pela experiência pessoal do autor. Para além da fina análise histórica do processo urbano de Setúbal, integrando-o no contexto das lutas sociais em que se insere, este livro ilustra os mecanismos complexos das relações entre o trabalho e o consumo, entre o campo da produção e dos lazeres, fixando elementos mais significativos deste processo e destes mecanismos e situando-os tanto em relação aos projectos colectivos de apropriação do espaço, concretizados na planificação urbana dos sucessivos regimes e governos, como em relação aos projectos antagónicos dos grupos e dos indivíduos.
Por todas estas razões, a leitura deste livro proporcionará, para além da utilidade da compreensão de um campo em que a dinâmica social é particularmente vigorosa em Portugal, o prazer da descoberta de um texto claro e bem estruturado.

Adriano Duarte Rodrigues
Professor do Departamento de Comunicação Social da
Universidade Nova de Lisboa 

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