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sábado, 4 de junho de 2011

Convento de Jesus: O edifício e a sua frontaria

O edíficio do Convento de Jesus é um dos principais, senão o de maior valia e apreço que a cidade possuí, e o único monumento conventual que, por assim dizer, por aí ainda sobressai entre as ruínas dos outros que caíram derribados pela picareta e pelo camartelo. Não é, nem se compara com as majestosas Sé de Coimbra, igrejas de Alcobaça, Tomar, Batalha, Belém e Mafra, e tantas outras, mas é um monumento venerado, o seu templo revela bem a época em que se ergueu pelas belas obras de arte da nossa arquitectura manuelina.




O estilo da fábrica do seu pórtico e dos frestões da fachada é de um gosto aproximado do de Belém, e coaduna-se bem com o do interior da igreja. Um escritor competente, referindo-se à perfeição a que chegou a arquitectura chamada gótica, ou, segundo outros, perpendicular, e melhor seria se se dissesse vertical, entendia que a sua classificação em grande ainda estava por fazer. Mas se tal classificação geral estivesse feita, podia ser que nesta classe se compreendesse o género ou estilo, cujos caracteres deduzira do monumento de Belém, e de outros edifícios que nomeava, aos quais poderia ainda acrescentar o Convento de Jesus de Setúbal.

Lamentava este mesmo escritor que a ignorância, o mau gosto, e portanto o desprezo pelas belezas da arte fizessem com que a fachada do majestoso templo fosse afrontada de alguma árvores, que não só poderiam danificar o edifício, como também obstar a que do mar se pudesse gozar aquele sumptuoso monumento. Mas acrescentava «que talvez as árvores ali tivessem sido plantadas para ocultarem as destruições e remendos sujos de cal, envergonhados de se acharem tão patentes». Felizmente estes inconvenientes não se observam hoje, quanto às árvores…

Pois cá em Setúbal foi-se mais além; há remendos sujos e asquerosos por entre os destroços do tempo, e talvez mais pela rudeza ou maldade dos homens, e não faltam árvores altas e menos agradáveis ocultando a maior e melhor parte da fachada do templo de Jesus. A civilização é assim que caminha.
O edifício que queremos descrever, ou antes, de que faremos um imperfeito esboço, tem o cunho da arte cristã e as indicações das conveniências religiosas, sem omitir a atenção às influências climatéricas e à natureza dos materiais apropriados à respectiva localidade. Foi destas e doutras regras que, por esses antigos tempos, já de há muito se seguiam na arquitectura, que nascera na arte cristã a união da inspiração católica com o carácter de nacionalidade ou de localidade que se nota nos antigos monumentos góticos.

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A frontaria do Convento de Jesus, como a dos Jerónimos de Belém, está virada ao sul. O seu pórtico é de pedra mármore avermelhada da Arrábida, e as paredes do corpo da igreja e dos compartimentos do convento são de alvenaria; porém as faces externas dos muros da capela-mor são revestidas de pedra calcária dura, assim como os botaréus e arcobotantes, que de distância em distância cercam por todos os lados o edifício, cujos muros fortalecem. E toda essa pedra mostra-nos ora aquela cor sombria que lhes imprimou o correr de longos tempos, o negro das intempéries dos séculos, ora o tisnado pardo avermelhadas das inclemências dos astros.

O edifício tem a forma de um rectângulo, e a sua frente corre de nascente a poente. Começando-se pelo nascente, pateteia-se-nos a igreja, amparada ou fortalecida com grossos e altos botaréus de pedraria, que acompanham a espaços todas as outras paredes, ornada com dois altos, bem rasgados e trabalhados frestões no estilo arquitectónico manuelino, assim como o belo pórtico de igual fábrica, seguindo-se ainda o resto da parede do templo, logo a do coro, do antecoro e a torre do campanário, e do vão da escada principal do convento, e a do pático da portaria, seguindo-se as casas externas da clausura, que serviam de habitação aos padres e serviçais do convento, e finalizando com o muro da chamada Horta de Fora do convento.

in CARVALHO, Almeida, Acontecimentos, Lendas e Tradições de Setúbal, Junta Distrital, 1969

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