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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Pórtico


Hino de Glória bem podia ser a legenda doirada luminosa e certa, deste Tríptico, em que a arte e o talento de Luciano, postos ao serviço dum bem sentido e enraizado amor a Setúbal, ergueram o melhor e mais belo Te-Deum de beleza e graça à sua e nossa terra, na glorificação magnífica de alguns dos seus mais altos valores espirituais e intelectuais.

Melhor pensando, porém, talvez achemos que esta extraordinária obra de arte – que temos como já notável página da pintura contemporânea, síntese expressiva do valor duma gente que, em séculos longos de vida laboriosa e meritória, jamais deixou de ser colmeia de intelectuais – prosadores, poetas, artistas – ficará sendo, desde agora, e pelos tempos além, a justificação eloquente e inequívoca daquela afirmação de um dia lapidarmente feita por Teófilo Braga: 

«Numerosos vultos históricos tiveram o seu berço em Setúbal que foi desde o fim do século XV um centro de distintíssima sociabilidade; magistrados e dignatários eclesiásticos como D. Gonçalo Pinheiro que em 1553 assinou a carta de perdão a Camões, Vasco Mousinho de Quevedo, épico notável entre a plêiade quinhentista; os Cabedos jurisconsultos célebres e também poetas; as extraordinárias irmãs Cecília Rosa de Aguiar, trágica do século XVIII e D. Luísa Todi, a cantora que deu expressão ao bel-canto italiano, vencendo a Mara, apesar do seu método irrepreensível, deixando na história da música dramática um nome inolvidável; e neste valioso panteon destaca-se Bocage, representando a poesia repentista e imaginosa, rompendo com o falso gosto arcádico…»

De hoje em diante, o notável Tríptico de Luciano ficará sendo, repetimos, a ilustração viva, a desentranhar-se em explendor e glória, da apreciação justíssima de Teófilo.

E muitos de nós, setubalenses, nados, baptisados e criados neste lindo e adorável rincão que é a nossa terra, viremos, porventura, encontrar aqui surpresas, tomar contacto e fazer conhecimento com muitos dos nossos que mal conhecíamos, ou mesmo ignorávamos.

É tudo isto que faz do Tríptico que desde hoje fica a embelezar o Salão Nobre dos nossos Paços do Concelho uma grande lição de história, da história da nossa cidade, que a todos nós cumpre conhecer, para melhor a poder amar, no orgulho de quem se ufana dum grande passado de nobreza. Nesta obra quer colaborar; na humildade das poesses de quem o escreve, o presente Roteiro do Tríptico de Luciano, que, em breves regras de apontamentos, recordará, embora a traços largos, as biografias dos setubalenses ilustres que mereceram à sua pátria-natal a consagração que aí fica.

Mas, o setubalense obscuro que assina este trabalho, e cujo nome fica, também, de ora avante, ligado, ainda que imerecidamente, a uma obra que é das que maior honra e renome darão ao nosso querido berço de origem, quedaria de mal com a sua consciência se, ao lado do nome de Luciano, o Pintor que pintou, a arte que criou, não inscrevesse o desse outro setubalense que o tornou possível e no amor à sua e nossa terra o idealizou: o dr. Miguel Rodrigues Bastos, um nome que velha amizade obriga a escrever sem adjectivos, mas ao qual a nossa gratidão de setubalenses jamais poderá negar o mais clamoroso e devido agradecimento. 

Do valor do Tríptico como obra de Arte não falaremos em pormenor. Não nos cabe o que à crítica pertence, nem esse é o papel deste modesto trabalho, em cuja factura seguimos não a ordem cronológica, não a do valor geralmente estabelecido, dos retratados, mas aquele por que o Pinto os dispôs nos três painéis, para que assim mais fácil seja ao observador ilustrar com a figura do biografado, a pobreza das linhas da biografia.

E na consciência de que a nossa terra fica, neste Tríptico de Luciano, com a mais bela e linda ilustração da sua história, nos contentamos e compensamos da certeza de que não fomos capazes, por nosso mal, de realizar aquele trabalho que a grandeza desta obra de arte merecia.

Fizemo-lo, porém, como soubemos, pondo nas mãos, alma aberta, o nosso coração de setubalenses.

Óscar Paxeco

in PAXECO, Óscar, Roteiro do Tríptico de Luciano. Setúbal, Câmara Municipal de Setúbal, 1999.

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