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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Hans Christian Andersen visita Setúbal

A 10 de Maio de 1865, George O'Neill, comerciante e cônsul-geral da Dinamarca em Lisboa, convida Hans Christian Anderson a visitar Portugal. O escritor dinamarquês aceita o convite e parte de Copenhaga em Janeiro do ano seguinte onde chega no dia 8 de Julho conforme o seu próprio relato:

Na manhã do dia 8 de Julho, «com o céu azul-claro — nem na própria Serra de Sintra havia nuvens —», Andersen parte para Setúbal, onde irá passar um tempo na quinta de Carlos O'Neill. Durante a viagem anota a observação de que os passageiros, isto é, os portugueses, são graves e discretos «pouca impressão» dando «da vivacidade da gente do Sul». «O sol brilhava no céu claro e sobre as águas tranquilas. Em frente erguia-se Lisboa nas suas soberbas colinas, como uma monumental ampliação fotográfica».

Em Setúbal, instalado na «Quinta dos Bonecos», deleita-se com a vegetação variegada e luxuriante. «Que profusão de cores e variedade de flores ! Até mesmo das fendas dos muros, desabrochavam cravos e cactos que no Norte só poderiam ter sido criados em estufas». Mas o calor atormenta-o : «De dia, só se podia andar cá fora sob a sombra das árvores de espessa folhagem, ou se se queria ir a qualquer parte onde incidia o sol, havia que caminhar vagarosamente e a coberto dum guarda-sol branco».

Começa por visitar o convento de Brancanes, na proximidade, a que se seguem excursões a cavalo ao Castelo de Palmela e à Serra de S. Luís. A majestosa natureza era como «a nave duma igreja no mundo grandioso e estranho de Deus». Ao regressar, com a pele ardente do sol e os membros fatigados, mas maravilhado, Andersen repousa no frescor da noite e todo se entrega à beleza que o cerca. «Como é bela a noite, amena e refrescante / E as estrelas de grandeza e brilho tais». E recordando-se que em breve terá de voltar à sua Dinamarca, escreve estes «versinhos» no livro da família O’Neill :

«Lá no plano Norte verdejante, 
Recordando todas as impressões vividas 
Para Setúbal voará o pensamento distante 
Para junto de todas as pessoas queridas».

A sua curiosidade de viajante continua a saciar-se em Setúbal. Vai ver os festejos de Santo António na cidade e, sensível e medroso, sofre com os estrondos das bombas, com a agitação do povo e com os solavancos da carruagem. «Estava inteiramente convencido que acabaria por quebrar uma perna ou um braço». Visita o edifício do Consulado de O'Neill, o Campo do Bonfim (?) onde «as boas madamas burguesas estavam sentadas, tranquilas e graves, nos bancos, os homens passeavam com mais vivacidade dum lado para o outro». Assiste a uma tourada no dia de São Pedro, vê a Igreja de Jesus e, por fim, faz uma receada e por duas vezes adiada excursão marítima à Arrábida e a Tróia e nela tanto o assustam as vagas que, com ressentimento, ouve o amigo O'Neill afirmar que «não tinha dado provas aí do sangue dinamarquês».

Ao regressar, lê nos jornais chegados as notícias da guerra distante na Áustria e na Alemanha. «Enquanto corria sangue e soavam gemidos de morte noutros países», — regista na Visita — a bênção da paz pairava maravilhosamente sobre Portugal, longe e afastado desses perigos. E eu sentia e gozava essa tranquilidade, essa beleza e essa paz». Pensa, porém, que é já tempo de volver à pátria, recordando-se do ditado de Kavamál «hóspede querido torna-se aborrecido, se por muito tempo fica sentado em casa alheia». Havia, passado um mês em Setúbal, o que, com cinco semanas na «Quinta do Pinheiro» em Lisboa, «era mais de metade do tempo que havia fixado para a estada em Portugal» e queria ainda ver Sintra e Coimbra.

Assim se despede dos amigos em Setúbal, «daqueles adoráveis seres, daquela casa confortável e daquela bela natureza». Na véspera da partida contempla, solitário, a maravilhosa quietude da noite em Brancanes e dela retém a última imagem: «tudo aí era calma, solidão e perfume refrescante das árvores e arbustos. As estrelas cintilavam, senti-me deprimido, com o coração cheio de tristeza...»

Regressa à «Quinta do Pinheiro», onde na sua ausência, a «natureza se havia alterado bastante», para partir pouco depois com Jorge e José O’Neill, para Aveiro e Coimbra.

Fontes:


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