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terça-feira, 29 de abril de 2014

A Primeira Primavera Florida

   
 No turbilhão dos acontecimentos deste últimos dias, difícil se torna a um modesto jornal acompanhar a parte-e-passo a evolução político-social deste país.
Está na limitação da nossa capacidade a boa vontade de tentativa de relato ou cobertura de acontecimentos decorrentes da nossa área de jurisdição, que outra não pretendemos para extra-distrito de Setúbal.

No entanto, as nossas análise, porque o são, não podem circunscrever-se a limitações que não sejam as das nossas fronteiras. Do nosso pais. Dum pais que, acreditamos, a História Universal inscreverá a letras de oiro muitos dos chamados povos desenvolvidos. Um pais que não seja mais confundido com a Espanha, onde muitos estrangeiros o julgam integrado. Um pais que, finalmente, se chame PORTUGAL LIVRE. Livre de despotismos. Livre de arbitrariedades. Livre de opressões. Livre de se movimentar em todos os sectores da vida nacional. Com ordem e disciplina, como convém a uma comunidade organizada. Sem relatiações por ódios recalcados. Sem sede de vinganças. Olhando de frente e com decisão o futuro. Porque o tempo perdido já foi bastante. Há que recuperar, porque muito está para fazer. E não dizemos tudo porque algo está feito. E entenda-se este algo como muito. Pois, anteontem o bom e nobre povo português escreveu a mais gloriosa folha da sua história. Deu ao mundo a mais nobre lição de civismo de que há memória. Ensinou os povos evoluídos (!) como se fazem revoluções e se reivindicam direitos. Com flores. Com sorrisos fraternos. Numa comunhão de interesses, que outros não são do que termos a Pátria há tanto sonhada.
DIA 1 DE MAIO !!!
Dia consagrado ao trabalhador. Em todo o mundo. Em quase todo o mundo. Menos em Portugal. Menos num país em que o trabalhador era mera manobra instrumental de uma complicada engrenagem onde a legalização da escravatura encontrava o seu manto num sistema corporativo. Cujo significado real nem entendemos bem, a avaliar pela prática de situações em que o valor da produtividade não contava. Em que o móbil era o lucro imediato. Em que era manifesta a sede de riqueza incontrolada. Por isso desmedida. Não importando à custa de nas suas páginas. Um país que deixe de ser ignorado por quem, nem como.
Um povo, saído duma humilhante situação social, a quem dizem ÉS LIVRE. E reage com a naturalidade simples de quem para ele esta situação fosse um acto de rotina na sua vida.
Um povo tantas vezes acusado de imaturidade para a democracia. De quem se receavam reacções sanguinárias.
É afinal, um povo que dá a todo o mundo que nele põe os olhos, a mais inédita lição cívica. De serenidade e autoconfianaça.
E recebe com inusitado júbilo a justiça do seu primeiro feriado nacional. Integralmente dedicado à anónima e poderosa massa trabalhadora.
Recebe a justiça que lhe é prestada com a exuberante alegria que só as flores sabem coroar.
Porque era o 1º de Maio.
Porque este mês está consagrado a ser o das flores.
Porque as flores serão o símbolo do amor e da fraternidade.
Por isto e por muito mais, se poderá afirmar que os trabalhadores portugueses tiveram a sua Primavera florida. Que se deseja tenha aberto uma porta que não mais se feche.
É preciso que o povo, que é crente e bom, não volte a deixar-se embalar por falsos profetas que instalem no país qualquer tipo de ditadura. Seja de que tendência for.
Agora mais do que nunca se impõe a garantia de que em todos os «primeiro de Maio» as flores brotem no seio da comunidade lusíada.


in O Setubalense, 3 de Maio de 1974

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